Assim, criticamos a prática da apreciação na generalidade se limitar à verificação do preenchimento ou não dos requisitos legais e das peças das propostas, sendo que a correspondente aprovação dá lugar a sua admissão para a apreciação pelas comissões especializadas da Assembleia Nacional, o que é tomado como a apreciação na especialidade. Deste modo, consideramos que, não tendo uma tal decisão, qualquer impacto sobre o conteúdo da proposta orçamental em si, a pretensa apreciação em plenário e votação na generalidade deveria simplesmente ser substituída por um despacho da Presidente da AN, com base em pareceres das comissões competentes. Isso porque ela é inócua, não passando os pronunciamentos dos deputados de considerações generalistas, de senso comum, como a necessidade de se melhorar as condições de vida das populações, aumentar as verbas para a saúde, para a educação, para a assistência social e para apoio à economia, combater a fome e criar empregos, melhorar as infra-estruturas. Entretanto, nos termos da Constituição e da lei da aprovação na generalidade deveria resultar o montante estimado das receitas tributárias, a fixação do limite global de despesas autorizadas, o saldo orçamental (limite máximo do défice), o limite fixado para a variação líquida das aplicações financeiras (mobilização de poupanças menos aplicações financeiras brutas) e a fixação do limite máximo de aumento do endividamento líquido (desembolsos de financiamentos menos a amortização do capital em dívida) - todos de observância obrigatória, excepto para o montante estimado das receitas tributárias - de modo que a correspondente apreciação deveria incidir sobre os factores determinantes destes. Já no que ao conteúdo da apreciação na especialidade diz respeito, relevámos que deveria ser a afectação dos recursos com base nas prioridades da despesa pública, tendo em atenção os objectivos, as metas e as acções contidos nos instrumentos de planeamento nacional, conforme estabelece a constituição. Assim, com tal afectação deveria assegurar-se, primeiro, a cobertura financeira das despesas obrigatórias e, subsequentemente, as acções (programas, projectos e actividades) prioritárias, no limite da disponibilidade financeira. Então, a aprovação na especialidade da proposta do orçamento resultaria na fixação do limite autorizado para as despesas conforme as funções, programas, projectos e actividades, assim como para cada uma das instituições financiadas pelo OGE.
Voltando-nos, agora, para o que tem sido a prática da apreciação na especialidade - que, mais uma vez, se viu desfilar com a proposta do OGE 2025 - nela se tem juntado a apreciação simultânea do tamanho do bolo e a sua repartição, o que torna o exercício de eficácia reduzida. Contudo, é sobretudo do disposto no artigo 23.º da Lei do Orçamento Geral do Estado que resulta a ineficácia do tipo da apreciação que os deputados têm feito da proposta orçamental na especialidade. O referido artigo dispõe que
"1. As emendas à proposta de Lei Orçamental ou aos projectos que a modifiquem só podem ser acolhidas caso: a) sejam compatíveis com as opções de política económica, indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesas, excluídas as que se referem ao pessoal e ao serviço da dívida; b) especifiquem, se [for] o caso, a correspondente meta quantificada. 2. As restrições referidas no número anterior, não excluem as emendas que visem corrigir erros ou omissões, ou alterar o texto da proposta de lei."
Uma tal disposição legal deve ser entendida tendo em conta o facto da proposta do OGE representar uma opção em termos de prioridades para as despesas públicas, face a objectivos de política económica e social definidos pelo poder executivo, ante a realidade de as necessidades serem ilimitadas e os recursos para as atender serem limitados. O que dela decorre e que deve ser retido é que a proposta do OGE pode ser emendada com a inclusão de outras acções (actividades ou projectos), mas por contrapartida das verbas de actividades e projectos específicos que constam na proposta e que assim seriam dela excluídos, não podendo tal contrapartida ser por conta de recursos afectos à despesa com o pessoal ou com o serviço da dívida. Significa que, uma vez definido o tamanho do bolo e estando ele repartido por diversas fatias, não é possível contemplar mais alguém com uma fatia sem retirar de outrem, assim como não é possível aumentar o tamanho da fatia de alguém sem afectar o tamanho da fatia de outrem. Os deputados deveriam estar, assim, armados com o conhecimento suficiente da realidade económica e social dos seus constituintes e das suas circunscrições sobre as acções requeridas susceptíveis de resolver os seus problemas, para habilitarem-se a contrapor as propostas do executivo com propostas de alternativas de acções concretas - tendo em conta uma avaliação das prioridades para a despesa pública - assim como poderem ajuizar convenientemente a execução dos OGE. Não sendo o caso, transportam para a discussão na especialidade o mesmo discurso da apreciação na generalidade, generalista, vago e de senso comum, sobre a necessidade de se aumentar verbas para acções de melhoria das condições de vida das populações, assim como se atrelam às queixas de verbas insuficientes de alguns ministros, os quais, entretanto, enquanto auxiliares do Titular do Poder Executivo (TPE) e membros do Conselho de Ministros, deveriam defender a proposta perante os deputados, ao invés de lamentarem-se, como que a assacarem responsabilidade ao Ministério das Finanças pelas supostas verbas insuficientes, numa atitude de clara falta de solidariedade para com - supostamente - a Ministra das Finanças, mas que na verdade é para com o TPE. Constitui evidência disso o facto de, na sequência de uma reunião com titulares de departamentos ministeriais, no dia 20 de Novembro de 2024, de apreciação da proposta do OGE 2025 na especialidade, o Vice-presidente da 5.ª Comissão da AN (a Comissão de Economia e Finanças) ter declarado à imprensa - reportando-se à reunião - de que ela não era "uma fase de auscultação ou de algum inquérito. Portanto, são os departamentos ministeriais que colocam as suas preocupações para, de alguma forma, os deputados advogarem em sede da discussão na especialidade sobre eventuais remanejamentos de verbas".
Deste modo, o exercício de apreciação, discussão e aprovação das propostas do OGE têm redundado num verdadeiro fiasco. Mas, para piorar, os OGE assim aprovados acabam por ser de pouca utilidade, dado serem meramente indicativos para o poder executivo e a sua execução carregar uma elevada dose de incerteza, pelas seguintes razões: (i) a AN fixa no OGE os limites de despesa, do défice orçamental e da variação líquida do endividamento governamental, mas autoriza simultaneamente o TPE a alterá-los, sem o seu escrutínio, quando o entender; (ii) a totalidade ou quase totalidade das receitas próprias do Estado é absorvida pelo serviço da dívida, pelo que o pagamento dos restantes encargos orçamentados ficam quase inteiramente dependentes dos recursos do endividamento; (iii) são neles inscritos recursos de endividamento não assegurados, o que significa que os OGE são aprovados sem estarem inteiramente financiados; e (iv) autoriza-se o TPE a cativar até 45% das dotações. É por isso compreensível que durante a execução se verifiquem, com frequência, atrasos no pagamento das remunerações e hajam demasiadas reclamações por acumulação de Ordens de Saque emitidas, mas que não são honradas oportunamente, por falta de disponibilidades financeiras do Tesouro Nacional. Deste modo, com um OGE de 2025 expansionista e, consequentemente, com gap de financiamento muito mais elevado do que o do OGE de 2024, espera-nos um ano de 2025 mais difícil.
*Economista